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Na primeira estafa, a multidão me atordoava, o caos do trânsito, os sons da rua, muitas vozes, muitas pessoas. Hoje, minha estafa se dá entre o teto e a parede, atravessada pelo computador, pelo aparelho celular, pelo televisor, pelos noticiários. Mortes. Pandemia. Vírus e suas variações. Desgoverno. Zumbidos. Os zumbidos continuam.
Minha Estafa Mental nº1 era uma performance, realizada com pessoas ao redor. Começava com minha respiração, aos poucos tentava me concentrar e tocar meu violino elétrico em meio ao som caótico do trânsito. Agora, na Estafa Mental nº2 toco minha viola de arco, sozinha. Arranho, forço as cordas com o arco. Meu corpo está tenso. Busco outros caminhos, mas me mantenho no mesmo lugar, entre o teto e a parede, em uma cadeira de escritório, de frente para o computador com a viola nas mãos e debaixo do queixo. A mandíbula se encontra tão tensa que desloca e não volta. Zumbidos, zumbidos. Zumbidos agudos, pulsáteis, chiados. As sombras me atravessam.
Toco minha viola, uma, duas, três, quatro vezes. Hoje não sou uma, mas sou quatro, cinco, talvez dez Marinas. Estico o som da viola no computador como estico meu pescoço cheio de dor. O computador deteriora o que toquei. Ele me deteriora. Todos os dias, deterioro minha visão, minha audição, minha coluna, meu pescoço, meus punhos na frente do meu computa(dor). Vejo as pessoas pelo computador, suas vozes são processadas, comprimidas, estridentes. Seus rostos são pixelizados, pequenos quadrados, glitches. Eu também sou, sou mais um glitch dentro do emarenhado dessa rede. Eu e minha viola, deterioradas, acumuladas, bugadas, estafadas.
Por Marina Mapurunga.
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Entre o teto e a parede,
released August 7, 2021
Marina Mapurunga é artista e pesquisadora que atua no campo do audiovisual, da arte sonora e da música. Professora de som do curso de Cinema & Audiovisual e Artes Visuais da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Coordenadora e integrante do SONatório. Pesquisadora do NuSom-USP e do LinkLivre-UFRB. Integrante da rede Sonora: músicas e feminismos e da Orquestra Errante. Com o projeto solo AnimuLa, realiza performances sonoras(visuais) aliadas à voz, gravações de campo, violino elétrico, viola de arco, pedais, live coding e projeções.
www.mapu.art.br
Local: Salvador, Bahia/ Brasil.
Equipamento/softwares/materiais utilizados para a criação: Reaper, microfone SGM-250 Azden, interface M-Audio fast track pro e viola de arco.
Ficha técnica | Voz, viola de arco, gravação, edição e mixagem: Marina Mapurunga
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